O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) vestiu uma peruca, durante discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher. O parlamentar alegou que se sentia uma mulher transsexual e, por isso, teria “lugar de fala”.
“Hoje, o Dia internacional das mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole”, declarou enquanto colocava uma peruca amarela.
Ele prosseguiu falando que as mulheres estariam “perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”. E que “eles estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade”.
O parlamentar disse ainda que corria o risco de ir para a cadeia por transfobia por ter parabenizado apenas as “mulheres [cromossomo] XX”. “É uma imposição. Ou você concorda com o que eles estão dizendo, ou caso contrário você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso”, falou.
Reações
Após o caso, deputados federais do PSOL, PDT e PSB pediram sua cassação. A representação protocolada solicita ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que um processo disciplinar seja instaurado no Conselho de Ética na Casa e que Ferreira seja punido com a cassação ao fim de toda a análise. Na avaliação do grupo, o deputado quebrou o decoro parlamentar.
Além da bancada do PSOL, também assinam o documento as deputadas Duda Salabert (PDT-MG) e Tabata Amaral (PSB-SP), os deputados André Figueiredo (PDT-CE) e Túlio Gadelha (Rede-PE) e o presidente do PSB, Carlos Siqueira.
Na representação contra Nikolas, os parlamentares afirmam que, “como é possível depreender da fala do deputado, o conteúdo de seu discurso tem caráter ofensivo e criminoso, uma vez que direcionado a manifestar discriminação e ridicularizar pessoas transexuais e travestis”.
“A declaração do deputado federal Nikolas Ferreira é extremamente grave e atenta contra a ordem jurídica e social fixada pela Constituição Federal; descumpre os deveres postos no CEDP [Código de Ética e Decoro Parlamentar] da Câmara dos Deputados; agride o disposto em diversos tratados e acordos internacionais que o país se comprometeu a observar; e desborda, ainda, em ilicitude penalmente tipificada. Sua prática, por conseguinte, é inconstitucional, ilegal e não compatível com a ética e o decoro parlamentar”, acrescentam.
Lira publicou em suas redes sociais uma “reprimenda pública” contra a atitude do deputado e disse que o plenário “não é palco para exibicionismo”.
Ministério Público Federal
O Ministério Público Federal (MPF) pediu, na quinta-feira (9), que o Conselho de Ética na Câmara investigue Nikolas pelo caso. “É repugnante um congressista usar as vestes da imunidade parlamentar para, premeditadamente, cometer crime passível de imputação a qualquer cidadão ou cidadã”, destaca a manifestação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público.
O que diz o deputado?
Em nota, Nikolas disse que tinha como intuito “alertar sobre a perda de espaço das mulheres nos esportes para pessoas trans” e que não houve crime de transfobia ou discurso de ódio, mas “o direito constitucional do parlamentar em expressar sua opinião”. Em nenhum momento do discurso desta quarta-feira (8), no entanto, Nikolas citou esportes ou deixou claro que a fala estaria relacionada a isso. Quanto à representação dos partidos para cassação, foi informado que os representantes do deputado não foram notificados ainda, mas que aguardam com “tranquilidade”. Eles negam que algum crime tenha sido cometido.
Próximos passos
Conselho de Ética
O Conselho de Ética foi criado em outubro de 2001 e é o órgão responsável por aplicar penalidades em casos de descumprimento das normas do decoro parlamentar. O colegiado é composto por 21 membros titulares e o mesmo número de suplentes, com mandato de dois anos, não podendo ser substituídos a qualquer tempo. Entre outras atribuições, cabe ao conselho zelar pelos preceitos éticos, cuidar da preservação da dignidade parlamentar e responder às consultas da Mesa Diretora da Câmera, de comissões e de deputados. Sua atuação acontece mediante convocação da Mesa Diretora para instauração de processo disciplinar. Como no caso de Nikolas, deputados, comissões, partidos com representação no Congresso Nacional ou cidadãos podem fazer representações de parlamentares.
Já foram cassados pela comissão nomes como Eduardo Cunha, por propriedade de contas na Suíça não declaradas e investigadas na Operação Lava Jato; André Vargas, por ligação com o doleiro Alberto Youssef em esquema de corrupção na Petrobras; José Dirceu e Roberto Jefferson, por envolvimento no escândalo do Mensalão.
Plenário
Após passar pelo Conselho de Ética, o caso vai para o plenário da Câmara dos Deputados. Para cassar o mandato, são necessários ao menos 257 votos — maioria absoluta de deputados — em votação aberta e nominal. A última parlamentar a passar pelo processo na Casa foi a deputada Flordelis (PSD-RJ). Em seu caso, foram 437 votos favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções.
(*Publicado por Douglas Porto)