O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nesta quarta-feira (31), o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor a oito anos e dez meses de prisão em regime inicial fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por um esquema na BR Distribuidora.
Ainda cabe recurso ao próprio STF e, por isso, Collor não será preso agora. O ex-senador também deverá pagar multa, indenização e ficar proibido de exercer funções públicas.
Em nota, o advogado de Collor, Marcelo Bessa, disse que “a defesa, reafirmando a sua convicção sobre a inocência do ex-presidente Collor, vai aguardar a publicação do acórdão para apresentar os recursos cabíveis”.
A sessão desta quarta-feira (31) foi a sétima consecutiva a analisar a ação penal contra Collor. Nela, os ministros definiram a pena a ser imposta. A Corte já havia decidido pela condenação na semana passada.
A maioria dos ministros entendeu ter ficado comprovado que Collor recebeu R$ 20 milhões de propina entre 2010 e 2014 para facilitar a construção de obras da UTC Engenharia na BR Distribuidora usando sua influência política como senador. Os valores passaram por lavagem para ocultar sua origem ilícita.
Oito ministros votaram pela condenação do ex-senador: o relator, Edson Fachin, e os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, André Mendonça, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Os ministros Nunes Marques e Gilmar Mendes votaram pela absolvição. Por uma decisão do STF da última quinta-feira (25), os magistrados que absolveram o réu puderam votar nas propostas de pena.
Penas
Além da prisão, Collor foi condenado a:
- Pagar 90 dias-multa;
- pagar R$ 20 milhões de indenização por danos morais (em conjunto com os outros dois condenados);
- ficar proibido de exercer cargo ou função pública “pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada”.
Cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos na época dos últimos fatos criminosos (2014), corrigido pela inflação.
A resolução final da pena acabou encampando a proposta inicialmente feita pelo ministro Alexandre de Moraes, que a Corte entendeu ser a dosimetria média.
Entretanto, o relator, Edson Fachin, havia proposto incialmente uma pena de 33 anos, dez meses e dez dias de reclusão em regime inicial fechado.
As outras propostas de penas foram:
- Alexandre de Moraes e Luiz Fux: oito anos e dez meses de prisão;
- André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes: oito anos e seis meses de prisão;
- Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber: 15 anos e quatro meses de prisão.
O debate sobre as penas consumiu toda a sessão desta quarta-feira (31). Para o cálculo, foi levado em conta os crimes pelos quais houve condenação. Dos oito ministros que votaram pela condenação, quatro converteram a acusação de organização criminosa em associação criminosa, cuja pena é menor.
Os outros quatro mantiveram a condenação por organização criminosa. O empate favoreceu o enquadramento no crime de pena mais branda.
Ocorre que houve prescrição para esse delito de associação criminosa (ou seja, quando o Estado não pode mais condenar alguém por algum crime). Collor tem mais de 70 anos e, por isso, os prazos prescricionais correm pela metade.
Na prática, os ministros propuseram penas para cada crime pelo qual Collor foi condenado, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa, mas desconsideraram as atribuídas a este último delito, em razão da prescrição.
Além de Collor, também foram condenados no julgamento Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, apontado como operador particular e amigo de Collor, e Luis Pereira Duarte de Amorim, apontado como diretor financeiro das empresas do ex-senador.
Bergamaschi foi condenado a uma pena de quatro anos e um mês de prisão em regime inicial semi-aberto e pagamento de 30 dias-multa. Amorim foi condenado a uma pena de três anos de prisão em regime inicial aberto e dez dias-multa.
Para Amorim, o STF autorizou a substituição pena de prisão por restritiva de direitos. No caso dele, a limitação de final de semana (comparecimento em casa de albergado por períodos nos sábados e domingos) e prestação de serviço à comunidade.
Condenações
Quatro ministros entenderam que Collor deveria ser condenado pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa: Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O ministro André Mendonça entendeu que não houve crime de integração de organização criminosa, mas de associação criminosa, cuja pena é menor. Ele concordou quanto à condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Essa posição foi seguida por Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.
Inicialmente, Moraes havia seguido integralmente o relator, votando pela condenação aos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Na sessão de quinta-feira (25), ele mudou o voto, para enquadrar o crime de associação criminosa, no lugar de organização criminosa.
O magistrado entendeu que não caberia, no caso, o enquadramento de organização criminosa, pois os fatos analisados não atendem aos requisitos estabelecidos em lei. “A conduta dos três denunciados amolda-se ao tipo penal do artigo 288 do Código Penal: Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”, afirmou.
Nunes Marques votou pela absolvição para todos os crimes. O ministro entendeu que não foi possível comprovar os fatos imputados pela acusação. Esse entendimento foi acompanhado por Gilmar Mendes.
Entenda o caso
O caso que foi julgado é uma ação em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) acusou Collor de recebimento de propinas em contratos da BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras na venda de combustíveis. As investigações começaram na Operação Lava Jato.
Os crimes imputados ocorreram entre 2010 e 2014. A PGR acusou o ex-presidente e seu grupo de terem recebido R$ 30 milhões em propina. De acordo com a denúncia, a suposta organização a que Collor pertenceu teria recebido vantagens indevidas em contratos da BR Distribuidora em um suposto esquema que envolveria a influência do então senador para indicações estratégicas na empresa.
A denúncia foi apresentada em 2015 pela PGR e aceita em 2017 pela 2ª Turma do STF.
Votos
Conforme o relator da ação, ministro Edson Fachin, os fatos criminosos se deram por meio da constituição de um grupo organizado “destinado à prática de crimes no âmbito da BR Distribuidora por meio dos quais auferiram vantagem indevida de natureza pecuniária”.
“Em minuciosa análise dos dados obtidos por quebra de sigilo bancário dos acusados, os peritos da Polícia Federal lograram reproduzir o caminho perseguido pelos valores depositados em espécie nas contas correntes de ambas as empresas e demonstrando que o destinatário de tais recursos era o acusado então senador, tendo as pessoas jurídicas utilizadas para dar aparência de licitude ao produto do delito anterior”, afirmou o relator.
Em seu voto, Fachin disse que, para garantir o distanciamento dos atos que levaram à obtenção das vantagens indevidas, Collor “contou com a participação do acusado Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, o qual era responsável por aproximar diretores da BR Distribuidora S/A e representantes das sociedades empresárias dispostas ao pagamento de propina, bem como arrecadar os recursos devidos em favor do grupo”.
“Nessa tarefa, e no exclusivo interesse do senador da República Fernando Affonso Collor de Mello, atuou também o acusado Luis Pereira Duarte de Amorim, a quem cabia o efetivo recebimento das parcelas de vantagens indevidas destinadas ao primeiro, executando ainda os atos materiais voltados à ocultação da origem dos recursos e disponibilização para posterior utilização como se lícitos fossem”.
Ainda segundo o relator, as provas trazidas pela acusação confirmam que Collor exercia um controle sobre a presidência e diretorias da BR Distribuidora. Foram apreendidos documentos na casa do ex-senador e no escritório do doleiro Alberto Youssef, além de trocas de mensagens e de e-mails.
A influência de Collor teria viabilizado, de acordo com Fachin, a assinatura de quatro contratos da construtora UTC com a BR Distribuidora para a construção de bases de combustíveis pelas quais o ex-senador teria recebido as propinas.
Divergências
Primeiro a divergir e votar pela absolvição, o ministro Nunes Marques entendeu que as acusações se basearam em delações premiadas e que a PGR não trouxe provas suficientes para confirmar as imputações.
“Não há como se considerar comprovada tese acusatória de que teria havido na espécie a sustentada negociação de venda de apoio político para indicação e manutenção de dirigentes na BR Distribuidora, tampouco que a suposta negociação tivesse por finalidade viabilizar prática de desvio de dinheiro público”, afirmou. “Inexiste lastro probatório suficiente para comprovação de que quatro contratos da BR Distribuidora e UTC tenham se concretizado conforme acusação”.
Outro a votar pela absolvição foi Gilmar Mendes. Em seu voto, ele fez diversas críticas às acusações contra Collor, por terem partido de delação premiada do doleiro Alberto Youssef. O ministro também criticou a operação Lava Jato e seus ex-integrantes, como o senador e ex-juiz Sergio Moro (União-PR) e o deputado cassado Deltan Dallagnol (Pode-PR).
O que acontece agora?
Collor não será preso imediatamente, mesmo com a condenação. Isso porque ainda cabem recursos da decisão ao próprio STF.
Só quando a condenação se tornar definitiva (o chamado trânsito em julgado), ou seja, quando não couber mais recursos, é que ele terá que começar a cumprir a pena.
Mesmo sendo ex-presidente e ex-senador, Collor deverá cumprir pena em uma cela comum, conforme a legislação.
O Código do Processo Penal estabelece a possibilidade de ficar preso em cela especial a determinadas autoridades, como ministro de Estado, membros do Parlamento e magistrados, mas só em caso de prisão provisória (aquela antes de uma condenação definitiva).
Para o advogado criminalista André Kehdi, sócio do Kehdi Vieira Advogados, em caso de condenação definitiva no STF, Collor vai para prisão comum. “A garantia de prisão especial (que é sempre cautelar) para ex-presidentes é uma construção interpretativa, pois não está expressa na lei”.
Em regra, a execução da pena deve se dar no local mais próximo da residência do condenado.
O advogado criminalista Berlinque Cantelmo, sócio do Cantelmo Advogados Associados, disse que há possibilidade de Collor ter direito à prisão especial se houver uma interpretação da lei de acordo com princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
“Considerando que qualquer cidadão que tenha ocupado cargo máximo na estrutura hierárquica da República tem essa prerrogativa, incluindo nessa perspectiva ex-membros do Parlamento, o que é o caso de Collor”, afirmou.
Cantelmo também entende que, por isonomia, o direito à prisão especial poderia ser estendido à execução definitiva de pena.
A princípio, Collor não terá direito a pedir para cumprir a pena em casa. A regra da prisão domiciliar não é admitida em condenações a regime fechado. Também é preciso comprovar determinados requisitos para ter acesso a esse direito, como ter mais de 80 anos ou estar “debilitado por motivo de doença grave”.
O que dizem as defesas
Os advogados dos condenados se manifestaram na sessão de 11 de maio, quando ainda eram réus, e pediram a absolvição do trio. Eles argumentaram que havia falta de provas para sustentar as acusações.
Defendendo Collor, o advogado Marcelo Luiz Avila Bessa disse que a PGR não apresentou prova de que o político tenha feito indicações sob suspeita.
“O presidencialismo de coalização, muitas vezes, faz com que as forças políticas queiram participar da indicação na administração pública, e isso não constitui ilícito algum, constitui mera prática da política como entendemos”, disse.
Bessa também afirmou que a ação não poderia levar à condenação do ex-presidente porque não houve “nenhum esforço probatório” por parte do Ministério Público, “e não poderia haver mesmo, porque os fatos apontados não ocorreram de forma como indicado na denúncia”.
“A questão que me parece mais relevante é que não se pode falar de organização criminosa se os tais crimes, que o Ministério Público insiste dizer que ocorreram, não ocorreram. Se esses tais crimes que o Ministério Público insiste em dizer que houve, mas não produzem prova necessária, é porque efetivamente esses crimes não ocorreram”, disse.
O advogado José Eduardo Alckmin, responsável pela defesa de Pedro Paulo Bergamaschi, disse que as condutas imputadas ao cliente foram construídas por “dedução” e “um tanto quanto construída na base de impressões, ilações”.
“Agora, era necessário ter essa prova de que esses valores que ele recebeu eram efetivamente destinados a pagamento de uma propina, e os elementos colhidos na instrução não permitem essa conclusão”, declarou. “[São] delações premiadas, as pessoas dizem que simplesmente ouviram dizer. Prova de ouvir dizer não é prova. Quem ouviu dizer não é testemunha, não tem conhecimento do fato.”
Já o advogado Milton Gonçalves Pereira, na defesa de Luís Pereira Duarte de Amorim, disse que ele é inocente, “um homem simples que não tem atividade político-partidária, que não transita nos círculos de poder, que jamais exerceu mandato político, tampouco teve qualquer tipo de designação para que mantivesse reuniões com parlamentares, servidores da BR Distribuidora, jamais teve qualquer contato com empreiteiros de construtoras”.
“Era dever do Ministério Público demonstrar, sem sombra de dúvida, que Amorim tinha ciência e consciência dessa suposta solicitação de vantagem indevida. Como condená-lo sem que tenha prova cabal e inequívoca?”.