O número de países que possuem algum tipo de lei exigindo salários iguais para pessoas com funções iguais não é pequeno. Em 2022, o Banco Mundial contou 97 países, de 190 analisados, que têm leis próprias exigindo a paridade salarial entre gêneros. É 51% do total, de acordo com o relatório anual “Mulheres, Empresas e o Direito” do banco internacional de desenvolvimento.
Isso não significa, porém, que a igualdade funcione. As mudanças são lentas e a diferença entre o quanto homens e mulheres ganham continua enorme. “Embora as leis sejam o primeiro passo para garantir igualdade de gênero, implementação inadequada e fiscalização fraca continuam sendo barreiras críticas para o avanço dos direitos e oportunidades das mulheres”, escreveu o Banco Mundial em seu relatório.
Em 2021, globalmente, as mulheres ganhavam 37% menos que os homens com as mesmas posições, de acordo com o Relatório Global de Desigualdades de Gênero do Fórum Econômico Mundial.
Na edição de 2022, o levantamento do Fórum contou apenas cinco países, em uma lista de 146, com uma nota maior do que 0,8 para o critério que avalia a igualdade salarial para trabalhos iguais: Albânia (0,845), Burundi (0,840), Argélia (0,812), Islândia (0,812) e Singapura (0,805). A escala vai até 1 e nenhum país ainda alcança a pontuação máxima.
A nota do Brasil nesse quesito foi 0,559 e o país ficou na 117ª posição da lista de 146 nações no que diz respeito a oferecer o mesmo salário para as mesmas funções.
O governo brasileiro publicou no ano passado uma medida provisória, depois convertida em lei, que passou a exigir a paridade salarial entre homens e mulheres que tenham a mesma função, na mesma empresa.
Trata-se de uma legislação com nem um ano de vida, e tanto o seu conhecimento quanto sua aplicação são ainda bastante limitados, com os resultados ainda longe de aparecerem nos números.
“Toda ação pública é, sem dúvida, uma forma de coroar o tema e reforçar a ação das empresas”, diz Maristella Iannuzzi, fundadora da consultoria CMI Business Transformation, especializada em diversidade e inclusão.
“Mas ainda vai levar alguns anos para se tornar um hábito. Muitas vezes, as empresas olham só para o salário de entrada, oferecem R$ 1.000 igual para homem ou mulher. Mas o problema está na trajetória: daqui a dez anos, essas duas pessoas vão estar ganhando a mesma coisa? São vários os vieses que recaem sobre as mulheres e que vão fazendo com que ela deixe de ganhar alguns prêmios ao longo da carreira.”
É, de toda forma, mais um passo no sentido de colocar o Brasil no mesmo rumo da lenta, mas contínua tendência global.
Veja a seguir alguns exemplos de países que se destacam pela aplicação de legislação pela paridade salarial de gênero:
Islândia
O país que elegeu a primeira presidente do mundo, em 1980, onde 47% das cadeiras nos conselhos das empresas é ocupado por mulheres e onde o pai também tira licença remunerada de seis meses é uma antiga liderança no que diz respeito à igualdade e aos direitos das mulheres.
A Islândia tem desde 1961 uma lei exigindo o pagamento de remunerações iguais para trabalhos iguais.
Foi só em 2018, porém, que se tornou também o primeiro país do mundo a inverter a lógica da lei: o governo passou a exigir que as empresas comprovem que pagam os mesmos salários para funcionários e funcionárias com funções equivalentes, quando o comum é ainda que essa tarefa caiba aos trabalhadores que desejem contestar a diferença.
Todas as empresas com mais de 25 empregados passaram a ter que ter sua política de equidade salarial certificada junto ao governo, e aquelas que não possuem o certificado estão sujeitas a multas diárias.
Mesmo assim, a desigualdade continua existindo: de acordo com a Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia, as islandesas ainda ganham 13% menos que seus conterrâneos masculinos.
A comparação leva em consideração o valor geral médio pago por hora, e não apenas entre aqueles com a mesma função. Isso significa que o resultado capta também outros vieses, como maior tempo fora do mercado de trabalho ou menos cargos de lideranças do lado feminino.
No ranking geral do Relatório Global de Desigualdades de Gênero do Fórum Econômico Mundial, a Islândia é a primeira colocada entre os 146 países monitorados como a nação com o maior nível de igualdade de gênero do mundo.
Luxemburgo
O minúsculo país de pouco mais de 600 mil habitantes no meio do continente europeu ostenta a menor diferença salarial entre gêneros da União Europeia e, provavelmente, do mundo: as mulheres, lá, ganham apenas 0,7% menos do que o que é pago para os homens, de acordo com a Eurostat.
A paridade salarial para trabalhos equivalentes se tornou lei no país em 2016. Luxemburgo também ostenta o título de único país da União Europeia que possui um ministério dedicado exclusivamente à igualdade de gênero: o Ministério da Igualdade entre Mulheres e Homens foi estabelecido em 2015 no grão-ducado.
Estados Unidos
A Lei da Igualdade Salarial dos EUA foi assinada em 1963 pelo presidente John F. Kennedy, sendo adicionada à principal legislação trabalhista do país, a Lei de Padrões Justos de Trabalho (FLSA, em inglês).
Ela proíbe discriminação de salário por conta do sexo do empregado e é regulada pela Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Emprego (EEOC), órgão do governo norte-americano responsável por fiscalizar e aplicar as leis do país ligadas a discriminação no trabalho não só por gênero, mas também cor, raça, religião, orientação sexual, nacionalidade, idade e outras condições.
Cabe ao trabalhador, nos Estados Unidos, abrir queixa e comprovar que sua remuneração está desigual em relação aos pares na mesma empresa, para funções equivalentes, nos termos da Lei da Igualdade Salarial, e pedir a equiparação.
Em 2022, os rendimentos das mulheres eram, em média, 17% menores que dos homens nos Estados Unidos, de acordo com relatório anual de emprego da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Ruanda
O país da África subsaariana é um dos 46 na lista da ONU das economias menos desenvolvidas do mundo e tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de apenas 0,534. A média global é 0,732 e o IDH do Brasil é 0,754.
Ainda assim, Ruanda consegue ser o sexto país mais igual do mundo no ranking de equidade de gênero do Fórum Econômico Mundial, atrás apenas das economias notoriamente desenvolvidas Islândia, Finlândia, Noruega, Nova Zelândia e Suécia. O Brasil é o 94º.
A exigência de igualdade salarial foi incluída na nova Constituição de Ruanda, feita em 2003 e reformada em 2015. Em 2017, de acordo com o Fórum Econômico Mundial, as mulheres já ganhavam 12% menos que os homens lá, enquanto nos EUA, naquele ano, essa diferença era ainda de 26%.
O Fórum explicou, em seu site, que seu “Relatório Global de Desigualdades de Gênero não é uma lista dos melhores lugares do mundo para ser mulher” e que Ruanda estar no top 10 “não significa que as mulheres estão melhor lá do que na França, no Reino Unido ou nos Estados Unidos”.
“O que o ranking tenta medir é até onde os países foram (ou não foram) no sentido de tentar reduzir a distância entre homens e mulheres em uma série de frentes”, explica a publicação.
Ter uma participação das mulheres acima da média no mercado de trabalho, além de uma alta representatividade feminina na política, são fatores que, de acordo com o Fórum, ajudam a colocar a nota geral de igualdade de gênero do país africano entre as mais altas do mundo.
O Parlamento de Ruanda está entre os mais “femininos” do mundo, com uma fatia, atualmente, de 61% dos assentos ocupados por elas. Desde a Constituição de 2003, o país exige que ao menos 30% das vagas do Parlamento sejam ocupadas por mulheres.