A violência doméstica é uma ferida aberta na sociedade brasileira que aterroriza e deixa pânico em quem realmente já passou por isso e em Rondônia. Ela bate com intensidade devastadora. Por trás das estatísticas frias, há histórias de dor, resistência e sobrevivência que precisam ser escutadas e não ignoradas. Dados recentes e relatos reais de mulheres rondonienses que enfrentaram a violência dentro de seus próprios lares e tiveram que viver por anos sendo omissas aos seus agressores.
O Cenário em Números
17 feminicídios foram registrados somente em Rondônia entre janeiro e julho de 2024, um aumento de 112% em relação ao ano anterior, sendo que mais de 28 mil medidas protetivas foram solicitadas desde 2021, até agora, incluindo centenas para meninas menores de 16 anos. O serviço ligue 180 apontou um crescimento de 16,1% nas denúncias em 2024. A maioria das vítimas é negra, jovem (entre 18 e 44 anos) e foi agredida dentro de casa.
Vozes Anônimas: Relatos de Mulheres
Não foi difícil encontrar mulheres que de alguma forma já foram vítimas de violência doméstica, sempre a história tem o mesmo efeito, agressões e palavras de baixo calão por motivos torpes.
“Ele me batia quando eu discordava dele. No começo eram empurrões, depois vieram os socos. Eu tinha medo de sair de casa, medo de contar para minha família. Só consegui pedir ajuda quando ele me deixou desacordada.” Mulher, 34 anos, zona sul de Porto Velho
“Fui esfaqueada pelo meu ex-companheiro na frente dos meus filhos. Sobrevivi, mas carrego cicatrizes físicas e emocionais. Hoje vivo escondida, com medo de que ele volte.” Mulher, 29 anos, zona leste de Porto Velho
“Nunca registrei ocorrência. Tinha vergonha, achava que ninguém ia acreditar. Só depois que ele ameaçou minha mãe é que procurei ajuda. Mas até hoje, ele me persegue.” Mulher, 40 anos, bairro Tancredo Neves.
Esses relatos foram colhidos por meio de entrevistas e registros de atendimento realizados por órgãos da Rede Lilás e pelo Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas Mulher), que oferece acolhimento psicossocial às vítimas, mesmo sem registro de ocorrência.
Esses dados revelam um cenário complexo e delicado, em que fatores emocionais e sociais se entrelaçam, dificultando o rompimento do ciclo de violência. A vergonha e o medo de procurar ajuda não apenas silenciam as vítimas, mas também perpetuam a invisibilidade do sofrimento, tornando ainda mais desafiador o trabalho das redes de apoio e proteção. Muitas vezes, o receio de julgamento por parte da sociedade e o estigma associado à condição de vítima contribuem para que essas pessoas se afastem dos serviços assistenciais, mesmo quando já iniciaram algum tipo de acompanhamento.
Além disso, a pesquisa do MP-RO aponta que a sensação de fracasso e culpa, somada à esperança de que o agressor mude seu comportamento, cria uma expectativa ilusória que impede a tomada de decisões mais seguras. A ausência de suporte familiar e de amizades, a dependência econômica, os princípios religiosos e a preocupação com os filhos também funcionam como barreiras significativas, levando muitas vítimas a permanecerem em situações de risco. Esses elementos evidenciam a necessidade de políticas públicas mais sensíveis e integradas, que considerem não apenas a proteção física, mas também o acolhimento emocional e social dessas pessoas.
Professora assassinada em Candeias
O caso da professora Joselita Félix da Silva, assassinada no município de Candeias do Jamari (RO) em março de 2019, chocou todo o Estado e gerou forte comoção nacional por evidenciar falhas graves na proteção de mulheres vítimas de violência doméstica.
Joselita, de 47 anos, foi morta a facadas pelo ex-marido, Ueliton Aparecido S., dentro da casa de seu pai, onde ela morava para cuidar dos pais idosos. O agressor invadiu o imóvel e a atacou violentamente. O pai da vítima, um idoso de 75 anos, tentou intervir e também foi ferido.
O que causou revolta foi que Ueliton havia sido preso no dia anterior, após agredir e ameaçar Joselita. No entanto, o delegado de plantão liberou o agressor mediante fiança de R$ 4 mil, equivalente a cerca de quatro salários mínimos na época. Segundo o despacho, os crimes enquadrados nos artigos 129 (lesão corporal), 140 (injúria) e 147 (ameaça) do Código Penal são afiançáveis, e como a soma das penas não ultrapassava quatro anos, a autoridade policial aplicou o artigo 322 do Código de Processo Penal para permitir a soltura. O caso gerou manifestações públicas, notas de pesar de entidades educacionais e protestos nas redes sociais. Colegas de trabalho e internautas denunciaram a fragilidade do sistema de proteção às mulheres e pediram justiça para Joselita.
O suspeito chegou a ser preso e não demostrou nenhum arrependimento, onde em 2023 ele foi condenado pelos crimes de faminicidio da professora e tentativa de homicídio contra o pai dela. Este caso expõe a urgência de revisar protocolos de liberação de agressores em casos de violência doméstica. A fiança, embora legal, pode colocar vítimas em risco iminente. É preciso fortalecer a atuação preventiva, garantir o cumprimento de medidas protetivas e responsabilizar agentes públicos por decisões que resultem em tragédias evitáveis.
Ações e Respostas
O Tribunal de Justiça de Rondônia criou o terceiro Juizado de Violência Doméstica em Porto Velho para acelerar os processos e ampliar o atendimento às mulheres que denunciaram seus agressores. O programa Maria da Penha, em parceria com a Polícia Militar, já atendeu mais de 25.500 ocorrências, permitindo o pedido imediato de medidas protetivas, pois essas mulheres temem pela pior. A Lei nº 5.954/2024 obriga conjuntos habitacionais e condomínios a denunciarem casos suspeitos de violência doméstica, incluindo pessoas com deficiência entre os grupos vulneráveis.
Desafios Persistentes
Apesar dos avanços, muitos obstáculos permanecem: A cultura do silêncio e do machismo ainda impede que muitas mulheres denunciem. O descumprimento de medidas protetivas é frequente mais de 100 mil casos no Brasil em 2024. A falta de acolhimento psicológico e social dificulta a reconstrução da vida das vítimas.
Caminhos para a Mudança
A luta contra a violência doméstica exige: Educação de base para desconstruir padrões de dominação e controle. Fortalecimento da rede de apoio com mais casas de abrigo, psicólogos e assistentes sociais. Campanhas de conscientização que alcancem todas as camadas da sociedade. A violência doméstica não é um problema privado é uma questão pública, urgente e coletiva. Que as vozes dessas mulheres, mesmo em anonimato, ecoem como um chamado à ação.
O Ministério Público de Rondônia (MPRO) desempenha um papel fundamental na proteção e no acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica em todo o estado. Sua atuação vai além da esfera judicial, envolvendo ações preventivas, educativas e de apoio direto às vítimas. Veja como o MP-RO pode ajudar:
O órgão possui Promotorias de Justiça especializadas em violência doméstica, especialmente nas maiores cidades como Porto Velho, Ji-Paraná e Ariquemes. Essas unidades atuam diretamente na fiscalização de medidas protetivas, denúncia de agressores e acompanhamento dos processos judiciais.
Mulheres podem procurar o MP-RO para relatar casos de violência, mesmo sem boletim de ocorrência, onde recebe o acolhimento jurídico e encaminhamento para serviços de apoio psicológico e social, como o Creas Mulher e casas de abrigo. O MP-RO acompanha o cumprimento das medidas protetivas de urgência, como afastamento do agressor, proibição de contato e proteção dos filhos. Em caso de descumprimento, o Ministério Público pode requerer prisão preventiva do agressor.
Campanhas são realizadas, uma delas é o Agosto Lilás, que oferece palestras, rodas de conversa e distribuição de materiais informativos. Promove ações educativas em escolas, comunidades e instituições públicas para prevenir a violência e informar sobre os direitos das mulheres. Campanha essa que ainda conta com a Defensoria Pública, Delegacias da Mulher, CREAS, CRAS e ONGs.
FONTE: CLEIDSON SILVA – JORNALISTA DO HORA1RONDONIA