Homens armados, trator abrindo estradas e derrubando a floresta: é assim, com violência e sob ameaça, que famílias de extrativistas que viviam na Resex (Reserva Extrativista) Jaci-Paraná, em Rondônia, tiveram que deixar para trás suas casas e seu sustento. Em seu lugar, agora estão fazendas ilegais de gado, propriedades de gente conhecida e influente, que vende sem dificuldade seu produto para grandes frigoríficos.
Essa é a história contada no documentário “Exilados- extrativistas são expulsos à bala em Rondônia”, uma realização da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, da Organização dos Seringueiros de Rondônia e do WWF-Brasil, lançado no dia 12 no Congresso Nacional, em Brasília. O filme traz depoimentos e entrevistas, denunciando a conivência de autoridades com as invasões e com a permanência de grileiros e de centenas de milhares de cabeças ilegais de gado na unidade de conservação. Detalha o esquema de grilagem, o descumprimento de decisões judiciais e as tentativas de reduzir a área via Assembleia Legislativa.
“Esse documentário relata cenas que historicamente a gente vê pelo país contra povos indígenas e comunidades tradicionais, desmandos que estão destruindo uma das coisas mais belas que temos, que é a diversidade cultural associada aos modos tradicionais de vida e à conservação do meio ambiente”, afirmou o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista no Congresso Nacional, durante o lançamento.
A Resex Jaci-Paraná é uma unidade de conservação que se estende por três municípios de Rondônia. Foi criada em 1996 para proteger a floresta e as famílias que vivem da extração da seringa, da castanha, do açaí e de outros produtos da Amazônia. Quase 30 anos depois da sua criação, no entanto, dados do governo de Rondônia mostram que há 765 fazendas dentro da área que deveria estar protegida.
Atualmente, apenas dois moradores tradicionais resistem em seus terrenos. E embora a lei proíba a pecuária na área, hoje há mais pasto do que floresta na Resex Jaci-Paraná. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 55,3% dos seus 191.234 hectares já foram transformados em capim.
“Somos nós, populações tradicionais, que estamos mostrando o que está acontecendo nessas unidades de conservação de uso direto. O documentário apresenta um diagnóstico muito triste da Jaci-Paraná, como um modelo de Resex destruída, a mais esquecida, onde a criminalidade pode tudo, mas sabemos que ela não é a única”, destacou o extrativista Paulo Lima Nunes, da OSR (Organização dos Seringueiros de Rondônia)
“Precisamos fortalecer aqueles que acreditam na importância de manter a floresta em pé, na proteção da vida, dos animais e de todos”, disse Txai Suruí, coordenadora da Kanindé. “Nós estamos aqui com o compromisso de fazer algo para proteger o planeta”, destacou a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Saída pode ser federalização
Durante o lançamento do documentário, ativistas e parlamentares discutiram a proposta de federalização da Resex Jaci-Paraná, já que, além de descumprir as decisões judiciais para a retirada dos invasores, o governo do Estado de Rondônia já sancionou projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa diminuindo a unidade de conservação a cerca de 10% de seu tamanho atual. A redução foi barrada pela Justiça.
“Se a gente não fizer nada, os estados da Amazônia vão virar uma grande fazenda, essa é a lógica. Então a nossa luta não é mais só de resistência, mas também de ofensiva. O que o documentário faz é nacionalizar o problema de Rondônia, porque a gente já viu que ele não vai ser resolvido só por Rondônia. Não seria o caso de federalizar a Resex Jaci-Paraná?”, propôs o deputado Airton Faleiro (PT-PA).
A proposta foi apoiada pelo deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), que também viu na federalização da Resex a única possibilidade de salvar a unidade da destruição. “Coloco o meu mandato à disposição dessa luta”, disse.
“Se continuar do jeito que está, em pouco tempo não vamos ter mais reserva. Aquela Resex é super importante para o meio ambiente do Brasil. Se a gente permitir que ela seja destruída, vamos abrir um precedente para que o mesmo aconteça em outros lugares do país. Já estamos ‘rondonizando’ o sul do Amazonas, e isso não é coisa boa”, diz Ivaneide Bandeira Cardozo, a Neidinha Suruí, coordenadora da Kanindé.
Reconstrução dos órgãos federais
Após a exibição do documentário, representantes do governo federal falaram ainda dos esforços de reconstrução dos órgãos de combate às invasões das unidades de conservação e ao desmatamento em todo o país, após anos de ataque e desmonte.
“Hoje temos 53% do quadro operacional do Ibama, o resto são cargos vagos. O governo passado fechou quase todos os escritórios na Amazônia, que davam capilaridade ao combate ao desmatamento. Por isso, estamos atuando com muita criatividade: força-tarefa para o embargo remoto, sistema de rastreabilidade de madeira e atuação nas áreas não destinadas. O grande desafio é que não temos pernas para tudo, mas escolhemos alvos e acreditamos que estamos no caminho certo”, disse o presidente do Ibama (Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Rodrigo Agostinho.
“Há uma diretriz do Ministério do Meio Ambiente de retomar e fortalecer as unidades de conservação, com foco nas reservas extrativistas, que surgiram da própria luta dos povos tradicionais”, afirmou Luiz Francisco Ditzel Faraco, coordenador geral de Gestão Socioambiental do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Realização: Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Organização dos Seringueiros de Rondônia e WWF-Brasil
FONTE: