Partidos repassaram ao menos R$ 5,8 milhões do fundo eleitoral para candidatos “fantasmas”. O dinheiro público caiu na conta de políticos que, a 12 dias das eleições, praticamente não fizeram campanha, não usaram as redes sociais para divulgar seus nomes, não distribuíram santinhos, são neófitos ou tiveram votação pífia em disputas passadas. Mas, mesmo assim, receberam acima da média dos concorrentes. A verba também foi parar em empresas que não entregaram os serviços e bancou despesas de outros postulantes.
No Amazonas, uma candidata a deputado federal pelo PROS ganhou R$ 3 milhões do fundo eleitoral e se tornou a líder nacional em repasses do partido. Em 2018, ela recebeu 41 votos e terminou a disputa naquele ano com as contas rejeitadas por ocultar gastos da Justiça Eleitoral. O valor destinado a ela é maior do que a candidatos com grande potencial eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, recebeu R$ 2 milhões para sua reeleição; Eduardo Bolsonaro (PL-SP), campeão nacional de votos na última disputa, R$ 500 mil.
Em Rondônia, o PP entregou R$ 2,2 milhões para uma candidata que contratou uma empresa de marketing sem ter feito propaganda nas redes sociais. Questionada sobre como conseguiu tantos recursos, mesmo sendo estreante, Marlucia Oliveira justificou: “Sou a queridinha do partido, mas não no sentido pejorativo”.
O Estadão encontrou casos suspeitos de norte a sul e obedecem a um padrão. O fundo eleitoral, que neste ano ficou em R$ 5 bilhões, é distribuído por dirigentes partidários e, agora, cai na conta de candidatos que não estão fazendo campanha. A divisão beneficia até quem abandonou a disputa ou está com a candidatura indeferida, sem devolução da verba para os cofres públicos.
É o caso da candidata a deputado federal Adriana Mendonça. Foi ela que recebeu do PROS R$ 3 milhões, o que a faz a 14.ª candidata mais contemplada pelo “fundão” em todo o País, numa lista que só tem puxadores de votos e nomes disputando a reeleição. Em 2018, ela teve apenas 41 votos para o cargo de deputado estadual.
A campanha de Adriana se resume a 33 posts numa página do Facebook e do Instagram, no ar há duas semanas. Todos são montagens. Em nenhuma das publicações aparece interagindo com eleitores ou em vídeos pedindo apoio. As páginas somam 59 seguidores e o post com maior visualização teve 69 curtidas. Em sua página pessoal no Instagram, ela fala apenas da candidatura do ex-marido, que concorre ao governo do Amazonas pelo Podemos.
Apesar da escassa campanha nas redes, Adriana contratou uma empresa de marketing digital por R$ 750 mil. Ela é a única candidata em todo o Brasil que buscou a Digital Comunicação Ltda. Os gastos chamaram a atenção dos demais candidatos do PROS no Estado, que acionaram o Ministério Público e a Polícia Federal para investigar o repasse milionário. Atualmente, a candidatura de Adriana está indeferida por duas razões: registro fora do prazo e contas rejeitadas em 2018 por ocultar gastos na Justiça Eleitoral. Ela recorreu e continua na disputa.
O presidente estadual do PROS, Edward Malta, admitiu ao Estadão que o dinheiro repassado a Adriana é para bancar a campanha do ex-marido dela ao governo. Essa movimentação, porém, precisaria ser oficializada, o que não ocorreu. A candidata não foi localizada. O telefone informado no registro da candidatura é o do presidente do PROS.
“O recurso vai ser usado na campanha do governador, do vice, de todos os candidatos”, disse Malta. Sobre a contratação da Digital Comunicação, afirmou: “A empresa quem contratou foi a deputada, eu não posso te falar agora”.
Em Minas, o PROS pôs R$ 300 mil na conta da candidata Gisele da Costura, estreante na política. Nas redes, ela publicou apenas uma foto com o número de urna desde que a campanha começou, em 16 de agosto. “O partido explicou que tinha necessidade de ter candidatas mulheres, de pele negra, que isso ajudava o partido. Foi nessa que eu entrei. O partido precisa de uma certa quantidade de mulheres, né?”, disse ela.
A candidata declarou ter contratado R$ 15 mil em despesas com cabo eleitoral, sem produzir nenhum material impresso nem publicidade digital até hoje. Procurada pelo Estadão, disse que “agora vai sair” o material de campanha. “Para ser bem sincera, eu tenho um pouco de dificuldade com a rede social, entendeu?”
Também em Minas, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entregou R$ 20 mil para Patrícia Guerra, candidata que faz propaganda nas redes sociais, mas de venda de roupas. “Eles me colocaram e eu entrei”, disse ela. Até agora, Patrícia não declarou nenhuma despesa ao TSE. Argumentou que não sabia ser preciso prestar contas do dinheiro público. O prazo da primeira parcial terminou no último dia 13.
O PL repassou outros R$ 20 mil para Marcilene de Jesus no mesmo Estado. No Instagram e no Facebook, ela fez apenas três publicações pedindo votos. “Tem alguma coisa errada. Eu paguei uma pessoa para fazer publicação para mim todos os dias”, disse Marcilene, que também não prestou contas. Ela afirmou que faz campanha nas ruas e pede votos, apesar de não ter declarado a contratação de despesas com santinho ou cabo eleitoral.
No Rio, a reportagem identificou uma candidata do PSC que recebeu R$ 30 mil do fundão após ter concorrido à Câmara Municipal em 2020 e receber apenas dois votos. Neste ano, Nadir Viana, que usa o nome Sheila na urna, não está fazendo campanha. Ela não respondeu ao Estadão. A legenda é comandada por Pastor Everaldo, preso em 2020 por suspeita de envolvimento com desvios da saúde do Rio. Neste ano, ele concorre à Câmara.
Em Rondônia, o PP deu R$ 2,2 milhões para Marlucia Oliveira, a candidata a deputado que nunca disputou eleição. O dinheiro foi repassado pelo diretório nacional da legenda, controlado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Apenas 2,6% dos candidatos a deputado, em todo o País, receberam tal valor.
Marlucia não apresenta nenhuma campanha nas redes, mesmo após ter contratado uma empresa de marketing por R$ 400 mil. Ao Estadão, ela afirmou que pede votos nas redes e nas ruas, disse que o recurso é dividido com outros concorrentes e não soube informar seus perfis na internet. “Acredito que seja muito difícil eu chegar agora, mas estou preparando uma candidatura municipal. Venho a vereadora (em 2024)”, afirmou.
Candidata a deputado federal, Soraya (PMN-AL) recebeu R$ 50 mil do fundão para sua primeira campanha. A 15 dias das eleições, não tem santinhos, bandeiras e panfletos nem perfis nas redes. A candidata disse fazer tudo no “boca a boca”. Indagada sobre suas propostas, respondeu: “Você gostaria de saber das minhas propostas agora? Tipo assim, no momento? Agora não seria viável.”
Para entender: Candidaturas lançadas por obrigação legal
Cota
Pelo menos 30% das candidaturas à Câmara dos Deputados devem ser de mulheres. Elas também devem receber no mínimo 30% dos recursos públicos.
‘Fantasmas’
Para serem cumpridas as cotas, alguns partidos lançam candidaturas de mulheres por uma obrigação legal. Muitas delas nem fazem campanha e são rotuladas de “fantasmas”.
Redes
O levantamento considerou quem usa as redes sociais de forma muito tímida ou nem usa, quem não soube explicar a sua candidatura e quem não tem agenda de candidato.
Valor
Foram identificadas 12 candidatas que se enquadram nesses critérios. Elas receberam, juntas, R$ 5,8 milhões do “fundão eleitoral”, o principal mecanismo de financiamento das candidaturas.
Despesas
Nessa lista estão candidatas que apenas recebem os valores para que a cota feminina seja alcançada, mas acabam assumindo despesas de outros concorrentes, inclusive homens.
Indeferida
Uma das candidatas recebeu R$ 3 milhões, mesmo estando com a candidatura indeferida e tendo conquistado apenas 41 votos em 2018.