O então candidato ao governo de Rondônia, Olavo Pires (PTB), foi brutalmente assassinado em 16 de outubro de 1990. Foi metralhado em cruz por profissionais. Trinta e três anos depois, o crime continua impune. As polícias, o Ministério Público, a Justiça e o Senado nunca concluíram as investigações.
A história do assassinato do senador Olavo envolve personagens como Romeu Tuma (PTB-SP) e Valdir Raupp (PMDB-RO), o ex-governador de Rondônia Oswaldo Piana, o então ministro da Justiça, Bernardo Cabral, outros políticos, empresários e uma rede de criminosos.
As investigações passaram por denúncias de ligações do senador com narcotráfico, suspeitas contra adversários políticos e nenhuma solução. Quando morreu, Olavo Pires pertencia ao PTB e exercia o primeiro mandato de senador depois de quatro anos como deputado.
Crime
Nuvens espessas cobriram o céu de Porto Velho na noite de 16 de outubro de 1990. Ainda se sentia o odor da chuva na capital de Rondônia quando uma queda de energia elétrica na Avenida Governador Jorge Teixeira escureceu a sede da Vepesa, loja de máquinas pesadas e implementos agrícolas da família Pires. Restou uma iluminação precária, produzida por geradores.
Os faróis de uma D20 Veraneio, quatro portas, vermelha com listras em azul e branco, jogaram um clarão sobre cerca de 50 pessoas aglomeradas em frente ao prédio da empresa. O grupo abriu passagem para o automóvel subir a calçada e estacionar sobre a rampa de acesso ao prédio.
O senador Olavo Pires fechou o vidro elétrico, desceu pela porta dianteira, saudou os presentes com o braço erguido e andou na direção dos professores da rede estadual, que o aguardavam. Não chegou a dar o quinto passo. Uma rajada de tiros de submetralhadora 9 milímetros interrompeu a caminhada.
Os disparos atingiram Olavo pelas costas, de baixo para cima, em diagonal. O atirador saíra detrás da Veraneio. As dezenas de professores se dispersaram aos gritos, em pânico, numa correria sem rumo. Um dos projéteis feriu na perna uma das professoras.
Nas fotos que registraram cena do crime, restaram sangue e um dos sapatos do senador metralhado em frente à 50 pessoas – Foto: Reprodução da internet
O assassino segurava a arma envolvida num pano escuro. Não escondia o rosto: era magro, tinha pele clara, cabelos grisalhos até os ombros e estatura mediana. Avançou na direção da vítima. Olavo agonizava no chão, com o rosto voltado para o chão, tombado numa poça de sangue. O criminoso mirou a vítima com um olhar fixo, assustador. Descarregou nova sequência de tiros, dessa vez de cima para baixo.
Ainda de arma na mão, o homem afastou-se sem dar as costas para o corpo estendido. Fez novos disparos para evitar que algum curioso se aproximasse. A frieza do olhar intimidava tanto quanto a submetralhadora em punho. O assassino deixou a cena do crime. A agilidade das pernas, porém, não era a mesma do gatilho. O assassino fugiu a passos curtos e lentos. Manco, arrastava a perna esquerda. Sem ser incomodado, ultrapassou as três faixas da via e entrou num Gol branco, estacionado do outro lado da avenida. O carro arrancou na contramão da Avenida Governador Jorge Teixeira e virou à esquerda para se perder numa pista enlameada.
Senado
No dia 18 de fevereiro de 2009, o senador Romeu Tuma informou ao plenário que a Corregedoria do Senado decidira acompanhar as investigações sobre o depoimento de João Ferreira de Lima, preso cinco dias antes sob acusação de participar de uma quadrilha especializada em assaltos a bancos e carros-fortes. Logo depois de preso, João Ferreira disse à polícia de Minas Gerais que era o autor dos tiros contra o senador Olavo em 1990. A declaração levou uma promotora e um delegado de Rondônia até a região metropolitana de Belo Horizonte. Na presença deles, João mudou a versão. Afirmou ter sido convidado a participar do crime, mas negou envolvimento com o caso.
Romeu Tuma comanda a Corregedoria do Senado há 14 anos e acaba de ser reconduzido para o oitavo biênio. As declarações de João Ferreira obrigaram o senador paulista a se defrontar novamente com o caso do senador Olavo. Em 1990, no governo Fernando Collor de Mello, Tuma acumulava as direções Receita Federal e da Polícia Federal, numa poderosa supersecretaria criada especialmente para ele. Três meses antes de tombar crivado de balas, o senador Olavo solicitara proteção ao Senado, ao Ministério da Justiça e à PF, segundo a família. Não foi atendido por nenhuma das instituições. Como diretor-geral da PF, Tuma também ignorou o pedido de socorro.
Sem apoio de nenhuma instituição federal, o parlamentar morreu. Conheça, a partir de agora, a história de 33 anos de descaso do Estado brasileiro com o assassinato do senador Olavo. Mais de três décadas de completo fracasso de todas as instituições estaduais e federais responsáveis por desvendar o crime.
O caso continua aberto.
Os últimos meses de vida de Olavo Pires foram de solidão e angústia, embora se cercasse todo o tempo de assessores e eleitores. O parlamentar se sentia vítima da imprensa. Com frequência, teve o nome associado ao tráfico de drogas.
Olavo Pires reclamou de campanha difamatória rasteira dos adversários, tendo nome ligado ao narcotráfico, além de solidão nos últimos dias de campanha, antes de ser morto com rajadas de metralhadora – Foto: Reprodução de tela
Também reclamava de abandono pelo Senado. Tinha a impressão de que os colegas do Parlamento não o reconheciam como um igual por causa das insinuações estampadas nos jornais. Vinte dias antes do crime, o senador chamou Olavo Neto, o mais velho dos filhos homens, para fazer uma recomendação:
– Seu pai está sendo ameaçado. Se alguma coisa acontecer comigo, filho, cuide das nossas coisas – disse, sem detalhar de onde vinham as intimidações. Foi a última vez que ele comentou sobre as ameaças de morte com familiares. Duas semanas antes do crime, Olavo havia feito um acordo para se separar de Marlene, a única das cinco mulheres com a qual não teve filhos.
O pai de Carla Beatriz, Marli Cristina, Olavo Neto, Jane e Emerson, o caçula então com 19 anos, mantinha uma relação pouco amistosa com as ex-companheiras, mas próxima com os filhos, apesar da distância que os separava. Apenas Olavinho, como era conhecido, morava com ele em Rondônia. Era seu braço direito nos negócios. Durante a campanha eleitoral, Olavo viu crescer o rumor de que teria ligações com o tráfico de drogas e atribuiu a essas insinuações a realização do segundo turno. Desde 1982, quando se elegera deputado federal, viera a público diversas vezes negar envolvimento com narcotraficantes. Na corrida eleitoral, foi alvo de panfletos e cartazes com a seguinte frase: “Diga não ao traficante”. No dia 7 de junho de 1990, o senador havia mandado um requerimento ao Ministério da Justiça, reclamando dos ataques desferidos por seus adversários e pedindo ao então ministro Bernardo Cabral que fizesse uma “completa devassa” em sua vida pública e privada.
“Tenho sido vítima de solerte campanha de meus adversários políticos e inescrupulosos que, sem poder atacar-me com base em verdades, lançam mão de toda sorte de insinuações e maledicências, sempre repetidas até mesmo na imprensa, de vinculações de minha pessoa com aquele repulsivo crime”, reclamava no requerimento. O ministro respondeu com uma certidão negativa, informando que não havia nenhuma investigação ou sindicância que associasse o senador ao narcotráfico. Olavo voltou dias depois ao ministro para pedir proteção da Polícia Federal por causa das ameaças de morte que vinha sofrendo. Diante da falta de resposta, apelou a uma escolta composta por cerca de dez homens que lhe faziam a guarda particular. No momento do crime nenhum deles o seguia.
Campanha
Em plena campanha eleitoral, ainda se recuperava do susto das urnas. As pesquisas davam como certa a eleição do senador do PTB para governador no primeiro turno, mas o resultado da votação surpreendeu. Pires obteve 79.456 votos contra os 78.893 de Valdir Raupp (PRN), uma diferença de 563 eleitores. Oswaldo Piana (PTR) ficou em terceiro lugar, com 72.155 votos. Quando morreu, Olavo despontava como favorito para vencer o segundo turno nas pesquisas. Seu assassinato provocou uma reviravolta eleitoral: Piana foi convocado para o seu lugar e, com 181.605 votos, superou Raupp, que ficou com o apoio de 145.351 eleitores. Na véspera da morte, o homem que não gostava de demonstrar fraqueza nem mesmo dentro de casa dava sinais de fragilidade em público. Em uma de suas últimas entrevistas, na TV Rondônia, afiliada da TV Globo, queixou-se de estar só.
“Ninguém sabe o quanto é doída a solidão de um quarto de hotel”, disse, com a voz embargada, para a surpresa de adversários, familiares e aliados.
Fotos com registro da cena do crime da morte de Olavo Pires estamparam jornais nacionais e locais, como o Alto Madeira, em 1990 – Foto: Reprodução da internet
Quando desembarcou no prédio que dava acesso à sua empresa, à sua casa e ao seu comitê eleitoral, por volta das 20h30 daquela terça-feira, Olavo Pires estava acompanhado de três assessores e do motorista Vitoriano Lino, que também lhe servia de guarda-costas. Vitinho, como era conhecido, havia jurado fidelidade ao senador desde que Olavo mandara um advogado tirá-lo da cadeia. Estava preso por matar o assassino do próprio pai. O paranaense, de 28 anos, gostava de exibir um calo na barriga, na altura em que prendia sua inseparável pistola. No dia do crime, Vitinho havia deixado a arma no porta-luvas da Veraneio. “Foi a mão de Deus que me fez deixar aquela arma ali”, justificava a amigos e familiares de Olavo. Durante o crime, ficou imóvel dentro do carro. Quando o assassino fugiu, correu atirando no Gol branco que arrancou na Avenida Governador Jorge Teixeira. Os disparos, porém, não acertaram o alvo. O motorista, acompanhado de Olavinho, ainda levou o senador até um hospital. Mas não havia o que fazer.
“Uma das balas vazou a região craniana e outra atingiu a jugular, esfacelou a mandíbula, arrebentou todosos dentes e subiu para o cérebro, se alojando na tábua craniana”, relatou na época um dos médicos que examinaram o corpo. O coração fora reduzido a uma massa disforme vermelha que mais se assemelhava a uma flor, comparou. Os tiros também acertaram os pulmões e os braços.
Trajetória
O senador teve uma carreira meteórica. Natural de Catalão (GO), Olavo Gomes Pires Filho considerava Goiânia o berço da carreira empresarial e política. Foi ali que herdou do pai uma retífica de veículos pesados que impulsionou os negócios da família em outros estados e abriu caminho para um dia chegar ao Senado. No início dos anos 1970, Olavo levava uma vida confortável entre Goiânia e Brasília, onde também abrira uma retífica de tratores. Conciliava o trabalho pesado com a paixão pelo automobilismo, o que lhe rendeu amigos ilustres, como o bicampeão de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi e o tricampeão Nelson Piquet.
O aventureiro começou a deixar as pistas de corrida, onde pilotou em categorias amadoras, para tomar o caminho da Amazônia. A política do governo militar de povoar o então território de Rondônia – extensa faixa de terra equivalente à área da Romênia, localizada na divisa com a Bolívia – levou Olavo ao Norte do país. Depois de prestar serviços de assistência técnica a mais de 2 mil quilômetros de distância, percebeu que teria mais sucesso se instalasse uma retífica especializada em máquinas pesadas em Porto Velho. Demanda não faltava com as obras das estradas então abertas pelo 5º Batalhão de Engenharia do Exército (BEC).
Os negócios prosperaram. Quando o território de Rondônia virou estado, em 1982, o empresário entrou para a política ao se eleger deputado federal pelo PMDB. Aos que o chamavam de populista, respondia: “Pobre não vive de ideologia. Se ser populista é dar remédio para quem sente dor, comida a quem tem fome e casa para quem não tem abrigo, eu sou populista, sim”. O deputado mantinha fundações em Rondônia de assistência social. Em 1987, Olavo trocou a Câmara pelo Senado. Na Constituinte, ele fazia parte do chamado Centrão, bloco suprapartidário que se contrapunha às correntes de centro-esquerda. Naquele ano, o nome do senador foi parar numa lista feita pelo então deputado Paulo Delgado (PT-MG), dos 16 constituintes que haviam faltado a mais de um terço das votações. O petista queria cassar o mandato dos gazeteiros. O pedido foi arquivado.
De acordo com os arquivos do Congresso, o constituinte Olavo Pires votou a favor da pena de morte, do voto aos 16 anos, do presidencialismo, da nacionalização do subsolo, da limitação dos juros em 12% ao ano e do mandato de cinco anos para o presidente José Sarney. O parlamentar também era conhecido pelos colegas por ceder o avião particular para integrantes do Centrão viajarem a Brasília para votações consideradas prioritárias pelo bloco. No Senado, Olavo foi um dos vice-líderes do PMDB. Chegou a ser colega de bancada dos então senadores peemedebistas Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, futuros presidentes da República. Em 1990, Olavo largou como favorito na disputa pelo Governo de Rondônia, após romper com o então governador Jerônimo Santana, que apoiou Orestes Muniz (PMDB), último colocado entre os seis candidatos. Durante a campanha o petebista enfrentou problemas. Outdoors espalhados estado afora associavam o senador ao tráfico de drogas. Esse tipo de vinculação perseguia Olavo desde 1982, quando uma nota publicada no Jornal do Brasil, então um dos jornais mais prestigiados do país, insinuava que a riqueza do empresário de Rondônia teria origem no narcotráfico.
Olavo acusou um antigo desafeto de “plantar” a nota. Cinco anos mais tarde, a prisão de um piloto em São Paulo, acusado de traficar drogas, acentuou os rumores contra o então constituinte, para quem trabalhava. O senador alegou na época que o piloto era “freelancer” e atendia outras pessoas. Também apresentou o boletim de ocorrência que mostrava que a droga encontrada estava em uma Paraty estacionada no Joquey Club de São Paulo, e não no hangar onde se encontrava seu avião, na capital paulista, para manutenção. Certa vez, Olavo chamou o filho caçula para uma conversa em tom de desabafo:
– Você tem alguma dúvida sobre seu pai? A única preocupação que tenho é com a opinião dos meus filhos e dos meus amigos. Todo dia tenho de dar explicações de que não sou traficante. Quem está me acusando que prove.
Em junho de 1988, o senador acordou com uma batida da Polícia Militar do Distrito Federal na garagem de seu apartamento funcional, na SQS 309, onde moravam outros 23 senadores. Sem autorização judicial, um grupo de policiais cercou o prédio após o registro de uma denúncia anônima recebida pela Central de Operações da PM. O denunciante dizia que havia 40 quilos de cocaína no porta-malas da Mercedes-Benz placa TU-2828, de propriedade do senador. Durante cinco horas, Olavo resistiu a abrir o veículo, protestando contra a arbitrariedade da polícia. Tanto barulho lhe rendeu, naquele momento, a solidariedade dos demais parlamentares que moravam ali. Por fim, o senador resolveu submeter o carro à consulta dos policiais. Horas depois, Olavo contaria para o filho Emerson o porquê de tanta resistência:
– Eu tinha certeza de que haviam armado pra cima de mim, e colocado algo dentro daquele carro. Foi o maior alívio da minha vida quando abri e vi que não tinha realmente nada. Neto de um usineiro próspero do interior de Goiás e filho de um empresário remediado, Olavo foi alimentando sua paixão, colecionando carros de luxo, à medida que seu patrimônio aumentava. Tanta ostentação lhe rendeu a imagem de um senador excêntrico. Numa época em que as elevadas taxas de impostos tornavam proibitiva a importação de automóveis, ele chegou a guardar 13 veículos Mercedes-Benz na garagem.
– Em vez de ter 30 mil dólares no banco, prefiro ter na garagem. Se eu precisar de dinheiro, basta vender – justificava-se. Dono de um avião bimotor Cessna 310, prefixo PTJSX, Olavo gostava de causar alvoroço quando chegava às cidades do interior. Mandara pintar seu nome em letras garrafais na parte inferior do avião. O azul da escrita se destacava com o branco da aeronave. Quando se aproximava da cidade a ser visitada, pedia ao piloto que fizesse um voo rasante para que os moradores soubessem que o senador estava na área. Aos 52 anos, Olavo exibia boa forma física, fazia caminhadas regulares, não bebia nem fumava. Vaidoso, havia feito um implante para disfarçar a calvície que avançava sobre os cabelos encaracolados. Quando morreu, acabara de se separar da quinta mulher.
Velório e enterro
Os disparos que haviam tirado a vida do senador em Porto Velho causaram estilhaços a 3.135 quilômetros, em Curitiba, onde vivia o mais jovem dos filhos de Olavo. Aos 19 anos, Emerson Serpa Pires acabara de desligar o telefone quando recebeu nova ligação da namorada, que morava em Rondônia, pedindo-lhe que ligasse a TV. O Plantão da TV Globo informava que o senador Olavo Pires, candidato ao governo de Rondônia, havia sido gravemente ferido naquela noite. A polícia ainda não tinha pistas dos suspeitos. Emerson ligou para o irmão mais velho.
– O pai está muito ferido – relatou o irmão.
– Estou indo agora aí – avisou o caçula.
– Não venha. Ainda não sabemos o que fazer.
Emerson morava em Curitiba e se preparava para o vestibular de direito da Universidade Federal do Paraná. Não acompanhou o velório do pai em Porto Velho, foi diretamente para o enterro, em Goiânia. Em Rondônia, os funcionários que prepararam o corpo do senador tiveram dificuldade para atenuar o estrago causado pelos projéteis. A família decidiu abrir o caixão para que as pessoas pudessem testemunhar o que havia sido feito com o parlamentar. O velório se estendeu por toda a quarta-feira (17) na Assembleia Legislativa, onde uma multidão se aglomerou. Do Senado, apenas os representantes de Rondônia estiveram no velório. Ronaldo Aragão, Odacir Soares e Amir Lando, o suplente que assumiria a vaga de Olavo, cumpriram a formalidade e compareceram.
A ausência dos demais 77 senadores irritou a família do senador assassinado. Em protesto, os parentes recusaram a proposta do Senado de que o corpo de Olavo também fosse velado no Salão Negro do Congresso Nacional. O receio dos senadores das demais unidades federativas tinha origem nos primeiros rumores que surgiram após o crime e que dominavam as rodas de conversa no velório: Olavo teria sido executado num acerto de contas com traficantes de drogas. A hipótese de crime passional também era cogitada. Outro burburinho que embalava as conversas era alimentado pela suspeita de que o senador teria sido morto a mando de algum adversário político. Entre os suspeitos estavam o então governador Jerônimo Santana, e os concorrentes Valdir Raupp, segundo colocado no primeiro turno, e Oswaldo Piana, o terceiro. O momento também era de apreensão para os eleitores, que se perguntavam o que seria daquela eleição dali em diante.
Centenas de carros, motos e bicicletas seguiram em cortejo, atrás do caminhão do Corpo de Bombeiros que conduziu o caixão até o Aeroporto Belmont. Milhares de pessoas tomavam as ruas, acenando para os familiares do senador e estampando cartazes de campanha eleitoral. Começava a escurecer quando um jato Learjet fretado pela família levantou rumo a Goiânia, a 2.390 quilômetros de distância. Naquela noite, Emerson reencontrou os irmãos e o corpo do pai na capital goiana. O senador foi velado até o início da tarde de quinta-feira (19), quando partiu, novamente em carro do Corpo de Bombeiros, seguido por uma multidão de amigos e curiosos, para o Cemitério Santana, um dos mais antigos e tradicionais da cidade. Foi enterrado no jazigo da família Pires, de número 1.447, onde o pai, Olavo Gomes Pires, está enterrado desde 1956.
Emerson soube de mais detalhes sobre a morte do pai durante o enterro. Antes de chegar ao local do crime, o senador estivera na sede da Fundação Olavo Pires, entidade sem fins criada por anos antes, que prestava atendimento médico e odontológico a famílias carentes. Após uma reunião com assessores, Olavo seguiu para o terreno de 7 mil metros quadrados, que ocupava toda uma quadra da Avenida Governador Jorge Teixeira, uma das principais vias de acesso entre o aeroporto e o centro.
Jazigo onde Olavo Pires está enterrado com o pai (de mesmo nome) e com frase importante: “Dá-lhe Jesus, o descanso eterno” – Foto: Renato Sardinha
O muro, de 5 metros de altura, simbolizava o poderio econômico do grupo Olavo Pires em Porto Velho. Os negócios do grupo se estendiam pelo interior de Rondônia e pelos estados de Roraima, Amazonas, Acre e Goiás. A muralha acinzentada despertava a curiosidade de quem avistava a sede da Vepesa, uma revendedora de tratores e implementos agrícolas. Corria o boato na cidade de que o senador morava numa mansão subterrânea, que ocupava todo o terreno.
Aquelas paredes de concreto escondiam 3 mil metros quadrados de área construída. Além da sede da empresa, havia pátios, oficinas mecânicas, uma piscina e uma casa, onde o senador morava. Uma residência com cozinha, sala, quarto e uma suíte, pela qual o senador acessava o escritório de trabalho, também utilizado naquela época como comitê eleitoral. A sala ocupada por Olavo ficava próxima à do filho Olavinho, então com 26 anos. O filho de mesmo nome do pai e do avô era o braço direito do senador nos negócios. Estava dentro do escritório quando escutou os primeiros disparos. Pensou que fossem fogos de artifício. Quando o assassino deu nova rajada, percebeu que eram tiros. Correu o local da tragédia e teve de afastar as pessoas para ver o corpo estendido no chão úmido e ensanguentado. Hoje, o túmulo no cemitério em Goiânia tornou-se uma das poucas lembranças para a família. Na lápide, uma referência de paz inexistente antes e depois da morte do senador: “Dá-lhe, Jesus, o descanso eterno”.