O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu destaque nesta sexta-feira (19) e suspendeu o julgamento que discute a legalidade da revista íntima em presídios. Com a medida, o placar da sessão é zerado e o caso é remetido para análise no plenário físico da Corte, com debate entre os magistrados.
O Supremo julga se a prática viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade. Também decide se podem ser considerados para eventual responsabilização objetos encontrados por meio da revista íntima, como drogas ou celulares.
O julgamento estava sendo feito no plenário virtual, formato em que os ministros depositam seus votos em um sistema eletrônico, sem debate.
O placar estava 5 a 4 para declarar a revista íntima inconstitucional. Só o ministro Luiz Fux ainda não havia votado. Agora, não há data para o caso ser recomeçado.
Pela manhã desta sexta-feira (19) havia sido formada maioria de 6 votos seguindo o entendimento do relator, Edson Fachin, para derrubar a prática, mas houve mudança no voto do ministro André Mendonça.
Conforme o STF, houve erro de lançamento no voto do magistrado. Com a correção, ele passou a acompanhar a divergência, aberta pelo ministro Alexandre de Moraes.
A revista íntima em presídios é uma prática adotada para controle da segurança das unidades, e aplicada em familiares de presos. Homens e mulheres são sujeitos, mas a revista é considerada mais degradante para mulheres. Elas precisam tirar a roupa, e agachar três vezes sobre um espelho.
Com a implementação de tecnologia nos presídios, a prática pode ser substituída, por exemplo, pelos scanners corporais na entrada das unidades.
O caso tem repercussão geral, ou seja, o que for decidido servirá de baliza para todas as Instâncias da Justiça sobre o tema.
A corrente que estava vencendo o julgamento entende que a prática da revista íntima viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à intimidade. Também argumenta que objetos encontrados por meio da prática não podem ser considerados como elementos de prova.
O relator, ministro Edson Fachin, entendeu que a prática da revista íntima e vexatória é inconstitucional. Para o magistrado, o procedimento representa tratamento desumano e degradante e que as provas obtidas devem ser qualificadas como ilícitas.
Acompanhavam o relator os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Gilmar Mendes apresentou uma proposta um pouco mais restritiva, no sentido de que o efeito da decisão tenha efeito só para o futuro. O ministro propôs a fixação de prazo de 24 meses, a partir do fim do julgamento, “para que todos os estados da federação adquiram aparelhos de scanner corporal ou similar, com os recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN)”.
Os ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Dias Toffoli e André Mendonça divergiram do relator.
A questão da revista íntima já havia começado a ser analisada pela Corte, mas foi paralisada por pedidos de vista (mais tempo para análise) de ministros. Dias Toffoli interrompeu o julgamento que havia se iniciado em 2020 no plenário físico. Depois, quando a deliberação foi retomada no plenário virtual, em 2021, foi a vez de Nunes Marques pedir vista. Ele devolveu o processo no início de maio deste ano.
Votos
Relator do caso, o ministro Edson Fachin argumentou que as modalidades de revista íntima e vexatória não se equiparam a busca pessoal como disciplinada pelo Código de Processo Penal e, em outros diplomas legais, que preveem formas de averiguação preventiva de investigação pelos métodos manual, mecânico e eletrônico.
“Essa prática de verificação do corpo humano, embora tenha sido abolido em vários estados da federação, ainda assim se procede à revista íntima em locais de detenção. O controle de entrada unidades prisionais deve ser levado em efeito por uso de equipamentos eletrônicos”, afirmou.
Fachin defendeu também que o ritual da revista íntima como protocolo geral de entrada em unidades prisionais ostenta “inexorável caráter vexatório”.
“Sem dúvida, há instrumentos adequados para coibir a entrada de objetos e itens proibidos nos presídios, a exemplo das revistas mecânicas, com a utilização de scanners corporais e, quando for necessária, a busca pessoal que não se confunde com a revista íntima”, explicou.
Fachin foi acompanhado dos votos dos ministros Roberto Barroso e Rosa Weber. Toffoli e Moraes divergiram.
Para Moraes, não é possível generalizar o entendimento de que toda revista íntima pode ser considerada abusiva, vexatória ou degradante. Ele defendeu que a prática possa ser feita em situações específicas.
Moraes reconheceu que, de fato, há casos graves de violação à intimidade com as revistas íntimas humilhantes para o ingresso nos presídios.
O ministro entendeu que a revista íntima não pode ser considerada ilícita de forma automática. Para ele, a revista íntima deve obedecer às seguintes condições: excepcionalidade e rigorosos protocolos, como a concordância do visitante e a pessoa do mesmo gênero.
“A revista íntima não deve ser vedada de maneira absoluta e deve ser feita quando se justifica, em casos específicos, e observadas cautelas especiais, em respeito à dignidade da pessoa humana. É invasiva, agora não é automaticamente sempre ilícita, vexatória e degradante”, disse.
Alexandre de Moraes entendeu que não se deve ter como conclusão absoluta e automática a ilicitude da prova decorrente de uma revista íntima.
Entidades de defesa dos direitos humanos contestam a prática da revista íntima. A Rede de Justiça Criminal, que é composta por organizações como Conectas Direitos Humanos, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), pede que a prática seja declarada inconstitucional.
O relatório ‘Revista vexatória: uma prática constante’, elaborado pela Rede em 2021, considera o procedimento como “uma das principais violências perpetradas contra familiares de pessoas presas”.
“Vistas como suspeitas de antemão, milhares de mulheres enfrentam a fila do corpo, onde o vasculhamento de seus corpos que lutam para o encontrar o familiar deixa marcas difíceis de serem esquecidas ao longo da vida”, diz o texto.
“Crianças e idosas não são poupadas, junto a todas as familiares, e com isso são colocadas diante de uma escolha em que nenhum caminho é desprovido de sofrimentos ilegítimos e inaceitáveis: ou passam pelo trauma da devassa de seus corpos por pessoas que as veem como suspeitas de antemão, ou deixam de visitar seus familiares, abrindo mão da convivência familiar que nutre as relações.”