De acordo com um levantamento sobre esse tipo de caso feito pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP-AM), que vai dos anos de 2017 até 2019, 72 pessoas morreram por linchamento no Amazonas. O A Crítica conversou com especialistas para entender as repercussões legais e a motivação dos assassinatos provocados pela população.
O linchamento, ainda de acordo com Mozer, pode resultar em três infrações: a lesão corporal seguida de morte, o homicídio ou o exercício arbitrário das próprias razões. “O processo de investigação de mortes geradas por linchamento funciona como aqueles voltados a homicídios comuns. Busca-se a identificação de elementos para se compreender a motivação e identidade dos envolvidos, por meio da coleta de informações”, afirmou.
Segundo o advogado Alexandre Lêda Calvo, especializando em direito administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o linchamento tem como origem uma sensação de impunidade sentida pela população, com relação ao desempenho do estado na ação de punição ao crime. “Essa sensação que a sociedade tem, de que o poder público não punirá, adequadamente, os criminosos é o que leva a população à prática do linchamento”, disse.
Aquele que comete linchamento incorre no artigo 121 do código penal, cuja pena é de reclusão de seis a vinte anos, com a possibilidade de aumento a depender do cometimento de outros crimes, durante o ato do linchamento, conforme Lêda.
De acordo com o advogado, embora algumas pessoas justifiquem a ação devido à sensação de impunidade diante de crimes graves, a ação permanece injustificável, do ponto de vista jurídico, devido aos direitos resguardados a todos os suspeitos de prática criminosa. “A constituição federal de 1988, chamada por alguns juristas de ‘constituição cidadã’, assegura que todos nós tenhamos direito ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa. Mesmo que o crime tenha sido cometido, é necessário, para aplicação da punição, que haja o devido processo legal previsto em lei”, afirmou.
Revolta popular
No ano de 2020, 591 homicídios foram registrados em Manaus, segundo a SSP-AM. No mesmo período, também foram registrados 29 latrocínios (roubos seguidos de morte) e 13 lesões corporais seguidas de morte.
Há casos de agressão que não chegam até a morte do suspeito. No dia 5 de janeiro deste ano, um homem de 61 anos foi agredido por populares após suspeita de ter passado a mão nas partes íntimas da neta, uma adolescente de 13 anos. O crime ocorreu no bairro Tancredo Neves, Zona Leste de Manaus. Os vizinhos, após ouvirem gritos da vítima, agrediram o suspeito e amarraram os pés e mãos do homem, até a chegada da polícia. Devido à gravidade dos ferimentos, o suspeito foi levado ao Hospital e Pronto-Socorro (HPS) Platão Araújo, na Zona Leste de Manaus.
Em dezembro de 2020, um homem foi preso suspeito de estuprar e assassinar uma criança de um ano e cinco meses, na comunidade Terra Preta do Limão, situada no município de Barreirinha, distante 512 quilômetros de Manaus. Revoltados, moradores depredaram a delegacia do local, atearam fogo em duas viaturas e tentaram retirar o acusado de dentro da unidade policial.
Linchados por engano
Em agosto de 2018, o estudante Kayube de Carvalho Oliveira, 16, aluno do Colégio da Polícia Militar, foi linchado após ser confundido com um ladrão, enquanto estava a caminho de uma igreja. Um grupo de populares, formado por mototaxistas e transeuntes, espancaram o jovem com pedaços de pau, até a morte, e jogaram o corpo dele em um igarapé.
A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, 33, foi linchada por engano no dia 5 de maio de 2014. Ela foi espancada até a morte por moradores do município de Guarujá, em São Paulo, suspeita de praticar magia negra com crianças, após circulação de uma notícia falsa espalhada por redes sociais.